quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O transplante de rosto

Durante a aula de hoje, me lembrei da história de Isabelle Dinoire que, no final de 2005, depois de ser "desfigurada" pelo ataque de um cachorro, recebeu o rosto de uma outra pessoa. Vale recuperar a história toda, desde discussões sobre a ética e a legalidade de um procedimento médico desse tipo, a rejeição ocorrida após a cirurgia, a relação entre rosto e identidade... Seguem alguns artigos publicados, na ocasião, no caderno Mais da Folha de S. Paulo.

COM O OUTRO NO CORPO
O ESPELHO PARTIDO
APROPRIAÇÃO DOS TRAÇOS FACIAIS DE OUTRA PESSOA ROMPE O SENTIDO DE IDENTIDADE E RELATIVIZA O NARCISISMO DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

"Um rosto extinto. Um grau de extinção por certo nunca antes atingido na espécie humana"(Michel Tournier)

MARIA RITA KEHL

O que acontece com o sentimento de identidade de uma pessoa que se depara, diante do espelho, com um rosto que não é seu? Como é possível manter a convicção razoavelmente estável que nos acompanha pela vida, a respeito do nosso ser -essa ficção indispensável- no caso de sofrermos uma alteração radical em nossa imagem?Perguntas como essas provocaram um intenso debate a respeito da ética médica depois do transplante de parte da face em uma mulher que teve o rosto desfigurado por seu cachorro em Amiens, na França.Deixo de lado os aspectos da discussão motivados pela rivalidade profissional, em que argumentos éticos podem mascarar a disputa por prestígio e glória entre equipes médicas da França e da Inglaterra. Interessa-me a relação subjetiva entre a identidade e o rosto. Essa relação é tão íntima que, dentre as várias possibilidades de mutilação física, consideramos hediondas as que destroem partes do rosto. Nesses casos, empregamos o termo desfiguração.Quando o rosto se torna irreconhecível, a figura humana se desfaz. A legislação britânica que condena o transplante de rosto em consideração à (previsível) crise subjetiva ante uma transformação radical dos traços da face desconsidera que, mais despersonalizante do que encontrar no espelho um rosto alheio, é não encontrar rosto nenhum.Ou não: talvez seja menos custoso para um acidentado suportar o luto pela perda da figura facial -e manter sob as ataduras a identificação imaginária com o rosto antigo- do que o estranhamento diante de um rosto outro.Ilusão necessáriaMas penso que vale a pena o trabalho de refazer essa identificação. O que chamamos, confusamente, de identidade não tem nada a ver com o ideal -sempre fracassado- de nos mantermos idênticos, seja a nós mesmos, seja à imagem ideal que pretendemos oferecer ao olhar do outro. A identidade é uma ilusão necessária, de unidade e continuidade do eu.Ocorre que o eu se constitui a partir da imagem corporal. Nosso sentimento de permanência e unidade se estabelece diante do espelho, a despeito de todas as mudanças que o corpo sofre ao longo da vida. A criança humana, em um determinado estágio de maturação, identifica-se com sua imagem no espelho. Nesse caso, um transplante (ainda que parcial) que altera tanto os traços fenotípicos quanto as marcas da história de vida inscritas na face destruiria para sempre o sentimento de identidade do transplantado?Talvez não. Ocorre que o poder do espelho -esse de vidro e aço pendurado na parede- não é tão absoluto: o espelho que importa, para o humano, é o olhar de um outro humano. A cultura contemporânea do narcisismo, ao remeter as pessoas continuamente a buscar o testemunho do espelho, não considera que o espelho do humano é, antes de mais nada, o olhar do semelhante.É o reconhecimento do outro que nos confirma que existimos e que somos (mais ou menos) os mesmos ao longo da vida, na medida em que as pessoas próximas continuam a nos devolver nossa "identidade" -aspas necessárias.Sagrado e insubstituívelO rosto é a sede do olhar que reconhece e busca reconhecimento. O rosto é sagrado, disse e escreveu insistentemente Emmanuel Lévinas. Por que sagrado? O que há de insubstituível em um rosto, que faz dele o centro da nossa humanidade e a sede imaginária do eu? É que o rosto não se reduz à dimensão da imagem: ele é a própria presentificação de um ser humano, em sua singularidade irrecusável. Além disso, dentre todas as partes do corpo, o rosto é a que faz apelo ao outro. A que se comunica, expressa amor ou ódio e, acima de tudo, demanda amor.A literatura pode nos ajudar a amenizar o drama da paciente francesa. O Robinson Crusoé do livro "Sexta-Feira ou os Limbos do Pacífico" (Bertrand Brasil), de Michel Tournier, perde a noção de sua identidade e enlouquece, na falta do olhar de um semelhante que lhe confirme que ele é um ser humano. No início do romance o náufrago solitário tenta fazer da natureza seu espelho. Faz do estranho, familiar, trabalhando para "civilizar" a ilha e representando diante de si mesmo o papel de senhor sem escravos, mestre sem discípulos.Mas depois de algum tempo o isolamento degrada sua humanidade. O Robinson de Tournier passa a se identificar com os animais, falar com os macacos e rolar na lama com os porcos. "Narciso de um tipo novo, abismado de tristeza, com recrudescido nojo de si (...), compreendeu que o rosto é essa parte da carne modelada e remodelada, aquecida e permanentemente animada pela presença dos nossos semelhantes."Na versão de Tournier, a entrada em cena do selvagem Sexta-Feira vem salvar Robinson Crusoé não da solidão, mas da loucura.A paciente francesa, que agradeceu aos médicos a recomposição de uma face humana, ainda que não seja a "sua", vai agora depender de um esforço de tolerância e generosidade por parte dos que lhe são próximos.Parentes e amigos terão que superar o desconforto de olhar para ela e não encontrar a mesma de antes. Diante de um rosto outro, deverão ainda assim confirmar que ela continua sendo ela. E amar a mulher estranha a si mesma que renasceu daquela operação.

Maria Rita Kehl é psicanalista e ensaísta, autora de, entre outros livros, "Ressentimento" (Casa do Psicólogo).


TRANSPLANTE DE SENTIDO
A CIRURGIA SE ASSEMELHA A UMA RECONEXÃO SIMBÓLICA COM O MUNDO, MAS PODE TRAZER SEQÜELAS GRAVES PARA A PERSONALIDADE, COMO NÃO SER MAIS RECONHECIDO

DAVID LE BRETON

O transplante realizado na semana passada, em Amiens, pela equipe do professor Dubenard coloca em destaque numerosas questões antropológicas. Para as sociedades ocidentais, o rosto cristaliza o sentimento de identidade. De forma vivaz e misteriosa, ele traduz o absoluto de uma diferença individual concomitante à afiliação a um grupo.O rosto faz sentido imediatamente; nenhum outro espaço do corpo é mais apropriado para determinar a singularidade e sinalizá-la como cerne do nexo social. Por ele o homem é reconhecido, identificado, amado. Como o sexo, é a mais forte fonte do sentimento de identidade.Um homem que se recusa a realizar uma ação que considera reprovável afirma que não o fará porque "não poderia se olhar no rosto" caso agisse de outra forma. Mas, sem que tenha cometido nenhuma falta, um homem desfigurado se vê confinado a essa impossibilidade. Um ferimento que deixa uma cicatriz profunda em um braço, perna ou no ventre não coloca em questão de maneira tão virulenta o sentimento de identidade, especialmente se a ferida não vier a acarretar nenhuma seqüela funcional.Toda alteração no rosto marca a personalidade do indivíduo em sua forma mais profunda. É por intermédio do rosto que se pode desfrutar do significado e até mesmo do valor da existência. A dolorosa experiência da desfiguração faz evocar o fato de que o homem não vive apenas como corpo físico. O homem habita um corpo imaginário, ao qual atribui significados e valores, com os quais integra o mundo a si mesmo e se integra como pessoa ao mundo.A desfiguração introduz uma brutal ruptura no cerne da aliança, já em si razoavelmente problemática, mas ainda assim passível de concretização, entre o corpo real e a imagem que o indivíduo faz dele.Suspensão do euDe maneira provisória ou permanente, o homem desfigurado vive a suspensão do eu, a privação simbólica de seu ser que apenas uma mobilização completa da vontade torna possível reconstituir. Ele convive com o sentimento de que sua identidade está desfeita, e se esvai a cada olhar, seu mesmo ou de outros.Inúmeras pessoas se sentem excluídas de si mesmas e do mundo, em luto por seu próprio ser, ainda que continuem a existir. A desfiguração constitui uma condenação à morte simbólica.A capacidade de superar esse revés e de recuperar plenamente o prazer de viver que se sentia anteriormente está vinculada à experiência pessoal do protagonista, à sua situação social e cultural, à sua idade, às qualidades das pessoas que o cercam. Mas há casos em que ele sofre o desmantelamento de seu ser, a erradicação brutal de tudo aquilo que ele era antes, e cuja perda lhe parece definitiva. A desfiguração dispõe sobre o rosto uma máscara ou ricto como que provocado por um banho de ácido. Não ter mais figura humana pode ser considerado uma metáfora para a morte.A perda do rosto, em termos psicológicos e sociais, equivale a perder a posição que a vítima ocupa no mundo. "Fazer face" aos problemas passa a depender dos recursos íntimos do protagonista. A desfiguração salta aos olhos de todos, atrai o olhar curioso dos passantes e causa embaraço aos interlocutores que fazem com ela o seu primeiro contato.Sob esse contexto tão pesado em termos humanos, um transplante de rosto é acima de tudo uma cirurgia de sentido e tem por objetivo restaurar o prazer de viver de um paciente ao qual foi amputada parte essencial daquilo que fundamenta sua relação com o mundo. A operação se assemelha ao restabelecimento simbólico de uma conexão com o mundo.Mas transplantar um rosto consiste acima de tudo em transplantar uma identidade, e a operação tem conotações sísmicas para as bases da personalidade. Receber o rosto de outro é como se expor a não mais ser reconhecido, a não mais poder se olhar no espelho sem perceber outra pessoa colada ao próprio rosto.É certo que a cirurgia não representa a duplicação do rosto do doador da face transplantada, porque o rosto será em parte adaptado à estrutura óssea do receptor, mas este não recuperará o rosto que tinha nem será poupado do choque de alteridade de que essa mudança se impregna. O rosto que passará a ostentar não será o mesmo que antes exibia. O risco de se sentir "possuído", "despersonalizado", é tangível para as personalidades frágeis e que não tenham refletido o suficiente sobre a questão antes do procedimento.Presente envenenadoUm transplante de órgãos ou tecidos nem sempre é uma experiência tranqüila para o paciente: muitas vezes o receptor de um transplante considera o órgão recebido como um presente envenenado. Uma intervenção desse tipo perturba o sentimento de identidade do paciente. Para começar porque o torna devedor da pessoa da qual se origina o órgão. Nas sociedades humanas, presentear envolve uma reciprocidade que garante a dignidade igual dos participantes na transação.Receber implica retribuir, de uma ou de outra forma. Os transplantes de órgãos e tecidos sublinham a questão do sacrifício, do preço simbólico a ser pago pela restauração de uma saúde mais propícia, no caso a recuperação de um rosto menos danificado, mais aceitável socialmente e, se possível, parecido com aquele que foi amputado.Se viver desfigurado é um sofrimento sem fim que dilacera o eu, é compreensível que o paciente escolha um sentido, mesmo que haja o risco de que o preço a pagar seja muito elevado. Além das severas restrições que a medicação diária contra a rejeição imporá, é preciso compreender que o rosto restaurado não será igual ao rosto perdido, e é preciso manter a lucidez quanto às questões de identidade, a ambivalência possível diante de um rosto marcado pela ambigüidade.

David le Breton é antropólogo e professor na Universidade Marc Bloch, em Estrasburgo (França). É autor de "Adeus ao Corpo" (Papirus) e "Des Visages" (Rostos, ed. Métailié), entre outros livros. A íntegra deste texto foi publicada no "Libération".Tradução de Paulo Migliacci.

A FACE NOVA DA ÉTICA
OPERAÇÃO DE TROCA DE ROSTO SINTETIZA UMA ERA QUE PASSA POR BRUSCAS MUDANÇAS DOS PADRÕES DE RECONHECIMENTO E IDENTIDADE

RENATO JANINE RIBEIRO
Uma mulher tem seu rosto mais que desfigurado, praticamente destruído. Tradicionalmente, um cirurgião plástico iria recompô-lo. Mas, sem nariz, sem orelhas, se torna possível esculpir qualquer face. Sim, o médico poderia tentar reconstituir o original, como os arquitetos europeus fizeram com as cidades arrasadas durante a Segunda Guerra Mundial, erigindo uma Frankfurt, uma Roterdã "fakes". Qual a diferença então entre refazer o que sumiu e desenhar algo novo? E se, como agora aconteceu na França, o rosto novo da mulher for o rosto bem preservado de alguém que morreu?Adianto que não vejo grandes problemas éticos nessa história. Fez-se mal a alguém, com a viva herdando o rosto da morta? Temos uma tradição já bem consolidada de transplantes. Transplantar um coração, quase 40 anos atrás, tornou célebre o cirurgião sul-africano Christian Barnard e causou um choque, tal o simbolismo ligado àquele órgão. Depois disso, transplantou-se quase de tudo. Mas transferir um rosto tem algumas conotações distintas, que vale a pena salientar.Outra história pessoalOs transplantes que vemos com bons olhos são aqueles necessários, os que atendem a demandas de saúde. Sem coração, sem rim, sem medula, morre-se. Mas o rosto, não. Embora esse caso de cirurgia plástica não fosse estético, mas de plena necessidade, fica a idéia de algo exagerado. Não se podia, apenas, corrigir? Exagero, essa é a palavra.O rosto porta nossa identidade como poucas outras coisas. José Dirceu, perseguido político, passou por uma operação, que modificou seu nariz. A voz dele é inconfundível, mas a face a desmentia. O episódio francês nos choca, porque mexe no que é mais fundo na identidade de alguém.Se a moda pega, isso propicia que uma pessoa tome o lugar de outra. Lembra o filme "O Segundo Rosto", de John Frankenheimer. Há o perigo de que criminosos se beneficiem disso. Mas, ao mesmo tempo, as técnicas convencionais de cirurgia já permitem um mascaramento bastante eficaz. Então, qual a novidade nisso?A novidade está em assumir uma identidade alheia, pronta. Vêm fantasias à mente: e se um familiar da morta encontra a sua sucessora? Ou mesmo, como as pessoas próximas da mulher viva vão sentir o fato de que ela assumiu um rosto que tinha dona, história, documentos? As fronteiras se perdem, assim, entre o habitual e o assustado.Mas, mesmo assim, há problema ético nisso? Melhor dizendo, o mero fato de uma pessoa assumir as feições de outra é, por si só, problemático eticamente? Será condenável, concordo, se ela roubar o rosto de outra; se usar desse recurso para fugir à lei; mas notem que nesses casos o que é condenável não é ter um novo-velho rosto, e sim aquilo para que se mudou o rosto. Em outras palavras, o que torna uma ação condenável não é a mudança de identidade aparente, que não passa de um meio; é o fim para o qual essa modificação está sendo utilizada.Porque mudar o rosto, apenas, não causa mal a outrem. Pode causar choque, mas não mal. Ora, um dos aspectos mais significativos de nosso tempo é esse: muita coisa nos choca, sem que necessariamente seja má.Piercing, tatuagem, roupas esquisitas, isso causa mal-estar a muita gente, mas não lhes causa mal. Mal-estar não é mal. Mas nossa reação automática, assustados com um filho que usa brinco, com uma filha que se tatua, é entender que nosso mal-estar é um mal praticado pelo outro. Não há, porém, razão nenhuma para adotar essa postura.Crise de um modeloAs identidades estão mudando. Um século atrás, a média de idade girava em torno dos 30 ou 35 anos. Dobrou, de lá para cá. Isso significa que passamos a ter tempo de sobra. No entanto não tiramos todas as conseqüências disso. Somente a discussão da contribuição previdenciária trata dessa questão e trata mal, apenas avaliando custos e ganhos.Na verdade, o que se desfaz é um modelo de vida, pelo qual se casava ao redor dos 20 anos, tinha-se filhos, dos quais se cuidava, trabalhava-se, chegava-se à aposentadoria e, após mais alguns anos, se morria.Esse modelo não funciona mais. Depois da aposentadoria, é possível viver 40 anos. Aí vem a grita: aposentemos mais tarde. Mas não é essa a questão, e sim que, depois de criar os filhos, de curtir os netos, ainda há vida inteligente. É possível viver muito tempo (o que dizem os calculadores da Previdência Social), mas com qualidade (o que pouco se discute). Isso significa que podemos mudar de vida, várias vezes.Casamentos se desfazem, que duraram 20 ou 30 anos: valeram mais tempo do que muito matrimônio de 1900, em que o marido ou a mulher morriam antes dos 40 anos de idade. Não é um fracasso um casamento que foi terno enquanto durou.Empregos desaparecem, o que nos assusta, mas profissões surgem também, e com elas novas oportunidades. Uma pessoa pode ter várias identidades profissionais ao longo da vida; pode ter algumas parcerias amorosas duradouras e preciosas; pode até, no quadro da União Européia (e espero, um dia, no Mercosul), mudar de nacionalidade. Serei italiano por 20 anos, inglês por 15, alemão nos dez seguintes, espanhol até o fim da vida.Mudar de rosto não é mudar de identidade? Depois da operação francesa, ouvi receios, mas quase todos eles baseados na idéia do que o outro acharia da pessoa com nova face. E ela mesma, o que achará? O que sentirá, ao ver-se no espelho, não com um rosto reconstituído, mas com feições prontas, completas, que ela sabe terem tido uma história? Este poderia ser o começo de um conto, que pelo menos aqui não escreverei.Mas é um sinal a mais de um mundo que nos coloca oportunidades novas, algumas delas assustadoras, das quais porém não nos desvencilhamos condenando-as em nome de uma ética apressada. A ética é importante demais para se confundir com o medo diante do novo.

Renato Janine Ribeiro é professor de filosofia da USP e diretor de avaliação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, do MEC).

Les femmes de Virginia Woolf - Vanessa Curtis


Olá, foi lançado nesse mês esse livro na França, parece-me interessante...
envio abaixo o resumo.
abraços,
Cristina.

Editions Payot Septembre 2007Traduit de l'Anglais par Karine LaléchèreOutre le génie littéraire de Virginia Woolf (1882-1941), sa vie et sa personnalité fascinent. À travers ces dix portraits de femmes – parentes, amies, rivales ou amantes – émerge un être différent de la caricature trop souvent proposée. On découvre à ses côtés une soeur taciturne (Vanessa Bell), une artiste énigmatique (Dora Carrington), un écrivain complexe (Katherine Mansfield), sans oublier l’aristocratique Vita Sackville-West et la compositrice Ethel Smyth. La question de la féminité préoccupait Virginia : elle l’a explorée sans relâche dans une oeuvre peuplée de figures subtiles et obsédantes souvent inspirées par ses proches. Avec " ses " femmes elle pouvait se montrer d’une intransigeance absolue, car si son exigence intellectuelle était grande, sa demande affective ne l’était pas moins.La figure maternelle trop tôt disparue n’a jamais cessé de hanter cette romancière qui souhaitait pourtant s’affranchir des valeurs victoriennes. Au-delà de Virginia Woolf, c’est la fin d’une époque et le début d’une autre qui se dessinent derrière ces portraits de femmes artistes, tout à la fois prisonnières de leur éducation et désireuses de rompre avec le modèle traditionnel de l’" ange du foyer " pour se consacrer à leur art.Cofondatrice de la Virginia Woolf Society of Great Britain, Vanessa Curtis coédite aujourd’hui le Virginia Woolf Bulletin. Elle a publié en 2005 un livre sur les maisons de l’écrivain.Vanessa CurtisVanessa Curtis a fait des études musicales à Londres avant d’entamer une carrière de journaliste. En 1998, elle a été cofondatrice de la Virginia Woolf Society of Great Britain, et elle coédite aujourd’hui le Virginia Woolf Bulletin. Elle a publié en 2005 un livre sur les maisons de Virginia Woolf.http://www.payot-rivages.fr/asp/fiche.asp?Id=5571

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

domingo, 23 de setembro de 2007

Folha de S.Paulo - Pós-feministas fazem de cabelos grisalhos seu libelo - 23/09/2007

Folha de S.Paulo - Pós-feministas fazem de cabelos grisalhos seu libelo - 23/09/2007

mímica-mímico


UOL - O melhor conteúdo

Rembrandt Harmensz. van Rijn: The Return of the Prodigal Son (1668)

Rembrandt Harmensz. van Rijn: The Return of the Prodigal Son (1668)

Marcelo,
nesta pintura, quem são os rostos iluminados e os não iluminados, quem representam estas figuras que vemos mais a frente e mais atrás?
Para tais respostas precisamos de conhecimento da narrativa bíblica? e também contextuais do quadro?
com um abraço,
Suely

sábado, 22 de setembro de 2007

François Mitterrand: o mistério da última foto

18/01/2007
François Mitterrand: o mistério da última foto
Contra a vontade da família, uma foto do ex-presidente no seu leito de morte foi feita e publicada pela revista Paris Match; até hoje não se sabe quem foi o autor

Raphaëlle Bacqué e Ariane Chemin

Na segunda-feira, 8 de janeiro de 1996, ao amanhecer, François Mitterrand deixa lentamente este mundo, no número 9 da Avenida Frédéric Le Play, à proximidade da Escola Militar, na qual ele havia se retirado seis meses antes. Às 23 horas, na véspera, ele pedira ao doutor Jean-Pierre Tarot, que ficou segurando a sua mão até o seu derradeiro suspiro, para receber a extrema-unção. Anne Pingeot, a mãe de Mazarine, que passou a noite no local, é a primeira a ser avisada, pouco antes das 6h da manhã. Então, o Dr. Tarot avisa a esposa, Danielle Mitterrand, que retornara na véspera de Latche. Ele também avisa a irmã de Danielle, Christine Gouze-Rénal, o seu marido, Roger Hanin e, por fim, o executor testamentário do antigo presidente, André Rousselet, o qual contata em seguida Jacques Chirac, que será a primeira personalidade a comparecer diante do despojo mortal.

Dez anos depois ainda não se sabe quem tirou a foto de Mitterrand em seu leito de morte



Mas é preciso esperar até 10h55 para ver a notícia ser publicada pela AFP: "Mitterrand morreu, conforme anúncio do seu secretariado". Contudo, o canal de TV France 2 já difundiu a notícia, e o turbilhão de telefonemas e de visitas começou. A imprensa está mobilizada. As crônicas necrológicas estão prontas; além disso, nas últimas semanas, os fotógrafos acompanharam de perto o entourage de François Mitterrand para relatar seus últimos instantes em imagens. Alguns dias antes, um exército de paparazzi acompanhou o último réveillon do antigo presidente, no Old Cataract, no Egito. Agora, eles querem a foto de François Mitterrand em seu leito de morte.

É um retrato difícil de fazer. E difícil de publicar. Na redação da revista semanal "Paris Match", Roger Thérond sonha com essa foto. Para o patrão desta publicação, que é o olho e a alma da revista desde 1976, não existe nenhuma imagem tabu, nenhuma foto é proibida. Segundo a sua mulher, Astrid, Thérond possui na sua coleção pessoal de fotos, uma das mais ricas da França, o belíssimo retrato de Victor Hugo (escritor, 1802-1885) no seu leito de morte, que foi feito em 23 de maio de 1885 pelo fotógrafo Félix Nadar. Uma foto cultuada pelos aficionados de despojos mortais e os especialistas do século 19, um século em que muitos adoram pintar, esculpir e fotografar os mortos.

Há muito, Roger Thérond aprendeu que uma boa reportagem sobre homens ilustres deve correr do nascimento até a morte. Ele conserva uma recordação sofrida do início da sua carreira de redator em chefe e da lição de jornalismo que lhe fora administrada em 1951 pelos seus mentores, Hervé Mille e Gaston Bonheur, por ocasião da morte do (célebre ator) Louis Jouvet. Ele lhes havia apresentado então com orgulho as fotos selecionadas para o número especial dedicado ao homem de teatro. "Perfeito", havia respondido Hervé Mille. "Mas você tem a foto dele no seu leito de morte? - Não. Mas nós temos todas as outras? - Você aprenderá que é preciso mostrar para os leitores aquilo que torna todos os homens semelhantes: os primeiros momentos e o fim". Desde aquele dia, Thérond sempre exige a foto "do fim".

Na imprensa, portanto, todos os profissionais sabem que a "Paris Match" está disposta a comprar "a" foto. Mas quem poderia fazê-la? Desde o anúncio da morte, centenas de pessoas que entrar no prédio da Avenida Frédéric Le Play. "Por favor, voltem amanhã, aqui está uma bagunça", aconselha, no terceiro andar, Pierre Tourlier, o motorista do antigo chefe de Estado. Nesta segunda-feira, a família de François Mitterrand está escolhendo aqueles que poderão vir se recolher diante do despojo mortal. Para ter acesso ao morto, portanto, é preciso ser um amigo da família.

Do outro lado de Paris, os fotógrafos Pascal Rostain e Bruno Mouron, patrões da agência Sphinx, estão à espreita. Esses dois campeões da profissão contam em seu currículo algumas das mais belas façanhas desses últimos vinte anos. Foram eles que forneceram a "Paris Match", em 1994, o "furo" de dois paparazzi mostrando pela primeira vez François Mitterrand, com a mão carinhosamente apoiada no ombro da sua filha "escondida", Mazarine Pingeot. Eles não hesitaram a "perseguir" com técnicas de espionagem o antigo presidente durante a sua última estada em Assuã (Egito), no Natal de 1995. Hoje, eles procuram por alguém a quem entregar a máquina para fazer o famoso retrato. Um guarda? Um membro da alta hierarquia do ex-presidente? Impossível, pensam eles de imediato. Seria preciso recorrer a um intermediário.

Eles conhecem dois jornalistas apenas que seriam suscetíveis de aceder ao quarto mortuário. O primeiro é Claude Azoulay, um fotógrafo que vem acompanhando François Mitterrand para "Paris Match" desde 1979. Mas "Zouzou" está "apaixonado" demais pelo seu alvo. Um ano antes, ele havia brigado com a diretoria da revista quando da publicação das fotos de Mazarine - de quem ele mesmo jamais revelara a existência. Transtornado pela morte do seu modelo, ele certamente se recusará a fazer a foto sacrílega, avaliam. Para esta tarefa, contam eles pela primeira vez, eles estudam recorrer aos serviços de Patrick Amory. Um homem alto e bonito de tez mestiçada, sempre elegante, este possui uma lábia inigualável. Ele se apresenta alternadamente como um antropólogo, um modelo, um etnólogo ou um professor de ginástica. Acima de tudo, ele é um autêntico homem "das grandes jogadas". Ele se tornou famoso em 1987 com um livro, "Mission oxygène" (Missão oxigênio), dedicado ao caso Greenpeace, um "poema lírico" muito controvertido à glória da DGSE (serviço secreto) e aos seus nadadores de combate.

Conhecido por reforçar com uma voz sedutora o seu talento de persuasão, Amory é mestre na arte de suscitar as confidências para escrever livros a partir delas. Ao longo dos últimos anos, ele conseguiu penetrar na intimidade dos Mitterrand. Ele conquistou a amizade de Jean-Christophe, o filho primogênito, e, sobretudo, da sua mãe, Danielle, que ele está ajudando a escrever a sua autobiografia - "En toutes libertés", "Com todas as liberdades" -, que será publicada algumas semanas depois do funeral. Durante o verão de 1995, Amory instalou-se para trabalhar em Latche, a casa que o casal presidencial possui na região das Landes (Sudoeste).

No outono, Amory não sai mais do apartamento da Rua de Bièvre, o domicílio parisiense de Danielle Mitterrand. Ele tomou por hábito de abastecer com fotos e entrevistas inéditas Roger Thérond, que aprecia como bom conhecedor que ele é a sua maneira de forçar as barreiras. Inclusive as confidências da esposa do antigo presidente.

Pascal Rostain e Bruno Mouron lhe entregam, portanto, uma Minox 35, uma das máquinas fotográficas de menor tamanho do mercado, que deverá servir para imortalizar "o" furo. Melhor ainda, eles regulam a máquina para ele. Eles sabem que o quarto do morto será necessariamente iluminado com uma luz velada. Eles escolheram uma película de 800 ASA e bloquearam cuidadosamente o regulador de distância para 3 metros, para uma foto de pose lenta, no 30º de segundo. "Você só precisa se manter imóvel e apertar no gatilho", explicam esses dois profissionais. A máquina dispõe de um grande ângulo, o que permite cobrir a sala inteira, mas, por conta do seu tamanho muito reduzido, ela pode ser enfiada num bolso. Sem que ninguém nada perceba.

Na Avenida Frédéric Le Play, a procissão, daqui para frente, é ininterrupta, porém mais bem organizada. Em frente à porta do prédio, o serviço de segurança organizou o alinhamento, numa única fila, à esquerda, da multidão dos anônimos que vieram depositar uma rosa. À direita, as celebridades, os responsáveis políticos, os amigos estão autorizados a entrar no prédio. No terceiro andar, os mais íntimos, que, na maioria dos casos são introduzidos por dois dos fiéis guardas de segurança do antigo presidente, se recolhem por alguns minutos diante do defunto.

No triste quartinho dos seus derradeiros instantes, François Mitterrand jaz sobre o leito, aprontado e trajando um terno cinza escuro. O rosto, ligeiramente maquiado, está apaziguado. Num canto da sala estão algumas bengalas de madeira, abandonadas. Na parede, uma gravura de Veneza. Na pequena biblioteca estão alinhados livros sobre a abadia de Vézelay e a arte romana, além do "Livro dos mortos". Sobre a mesa de cabeceira há dois livros: "Axel", de Villiers de L'Isle-Adam, e um romance de André Gide.

A vigília fúnebre está prevista para a noite de terça-feira. O enterro para a quinta, em Jarnac, está reservado para os íntimos: uma missa está agendada na mesma hora na catedral de Notre Dame de Paris. É preciso agir depressa. Na segunda-feira, Amory dá um pulo até o apartamento da Avenida Frédéric Le Play para dar uma força a Danielle. Ele retorna ao local na terça-feira, sem que ninguém se mostre surpreso com isso. Afinal, desde este verão, ele é considerado pelo Grupo de Segurança da Presidência da República (GSPR), que vigia François Mitterrand, como um íntimo da família. Ninguém tampouco se surpreende com a presença de Claude Azoulay, que aparece na terça-feira, por volta de meio-dia.

O fotógrafo anunciou a sua chegada por telefone a Christiane Dufour, a fiel secretária do presidente, que evidentemente convidou este antigo cúmplice de François Mitterrand a se juntar a eles. No bolso de Azoulay está escondida a máquina fotográfica da qual ele nunca se depara. Ele se recolhe por dois minutos no quarto do morto, acompanhado por Jean-Pierre Barret, um membro do GSPR. Emocionado, ele beija os mocassins do falecido. Ao sair do quarto na companhia do major, o segundo policial militar de plantão na frente da porta entreaberta arrisca uma brincadeira de mau-gosto: "Ah, essa foto, você não a fará!" No saguão da entrada, o fotógrafo de "Paris Match" faz uma pausa para conversar com alguns amigos.

Esta é a sua primeira visita no apartamento da Avenida Le Play. Ele nota o imenso retrato de François Mitterrand, pintado com grafita de chumbo por Frédéric Pardo. Azoulay tira a máquina do seu bolso e, diante dos guardas e dos amigos, ele o imortaliza vezes seguidas. No fim de semana seguinte, na sede de "Paris Match", em Levallois-Perret (periferia de Paris), Michel Sola, o redator em chefe, recebe um telefonema de Roger Thérond. "Um táxi vai trazer fotos para você, num envelope", resmunga o patrão, lacônico. Um veterano que atua nesta revista semanal desde 1963, Sola possui um sangue-frio a toda prova. Ele não faz pergunta alguma e está pronto para o que der e vier. Algumas horas mais tarde, um motorista de táxi lhe entrega um envelope de papel Kraft. Dentro dele estão três negativos que ele encaminha imediatamente para o "laboratório" de "Paris Match". As três fotos são as de François Mitterrand no seu leito de morte. Tecnicamente bem feitas. O enquadramento é perfeito, a contraluz bem compensada. As três foram feitas por ângulos diferentes.

É o próprio Thérond quem escolhe duas delas. Não há o menor escrúpulo. Nenhuma hesitação. "Por que você haveria de se preocupar com o que irão dizer de você?", rebate ele quase sempre quando jornalistas se dizem constrangidos com a publicação de certas fotos. "Você pode ser criticado hoje por uma foto que, dentro de dez anos, será considerada como uma obra-prima". Adivinhando que o retrato vai provocar um escândalo, ele decide, contudo, de publicar do seu lado alguns famosos retratos póstumos: dentre estes está um de Victor Hugo por Nadar, o outro de Marcel Proust por Man Ray e a máscara mortuária de Napoleão 1º pelo doutor Arnot. Em outro fato excepcional, Roger Thérond assina, ele mesmo, o editorial que se destina a justificar a publicação das fotos: "Mesmo se nós publicamos documentos, digamos extremos, nós assumimos este ato porque eles se impõem pela sua beleza, sua força, seu peso".

Quando a revista chega às bancas, na terça-feira, 16 de janeiro, dois dias antes da date habitual, as fotos causam um alvoroço. A tiragem da edição é de 1.800.000 exemplares, a venda é histórica. Sem demora, os olhares enfurecidos dos membros do círculo restrito do ex-presidente se voltam para três pessoas. Claude Azoulay, é claro, que todo mundo viu com a sua máquina. Além deste, o doutor Jean-Pierre Tarot, um aficionado por fotos, é suspeitado. E até mesmo o namorado de Mazarine, Ali Baddou. Nesta família dilacerada entre dois clãs, todo mundo suspeita de todo mundo e todos parecem estar mergulhados num universo irracional. Mazarine Pingeot lembra, no seu livro "Bouche cousue" (Boca fechada), publicado em 2005 pela editora Julliard, que o seu amigo em nenhum momento "foi ver [o seu pai] no apartamento da Frédéric Le Play"? Apesar dos seus desmentidos indignados, Azoulay permanece o único suspeito.

Aquele que era até então o fotógrafo do príncipe é acusado de traição. Muitos se recusam a apertar a sua mão. Outros desviam o olhar em sua presença. Insultos são murmurados nas suas costas. Georges Kiejman tem tudo a ver com essas reações. Um advogado da família Mitterrand e de Mazarine Pingeot, o antigo ministro e amigo do defunto incentiva Danielle Mitterrand a dar queixa contra pessoa desconhecida?, no mesmo dia da publicação da revista, por ofensa à vida privada.

Um inquérito é iniciado pelo ministério público. Interrogado pela polícia dois dias mais tarde, em 18 de janeiro, Roger Thérond se mantém inabalável e se recusa a revelar o nome do fotógrafo. Após ter argumentado em defesa do "interesse histórico das fotos", ele reconhece que se trata de um "membro íntimo da família Mitterrand". Os peritos concluem que as fotos podem ter sido feitas com a máquina de Azoulay, mas sem fornecer prova alguma do seu envolvimento. Aliás, o ministério público não abre nenhum processo contra ele. Ao intervir perante os magistrados do 17º tribunal de instância superior de delitos penais de Paris, o advogado Kiejman constata, contudo, uma série de "fatos perturbadores" que apontam, aos seus olhos, para a culpabilidade do fotógrafo de "Paris Match".

O inquérito judiciário nunca desvendará o mistério da identidade do fotógrafo. A revista é condenada a pagar aos queixosos a simbólica quantia de 1 franco por ter publicado as fotos sem o seu acordo, alegando o motivo de que o direito à vida privada não perde a sua vigência no momento da morte. Em contrapartida, os magistrados rejeitam o pedido dos queixosos que queriam ver o julgamento ser reproduzido na capa da revista. Eles sublinham não sem malícia que "o ressentimento da família em relação à revista semanal foi de muito curta duração": entre os dias 1º de fevereiro e 1º de agosto de 1996, eles contabilizaram seis entrevistas ou reportagens, das quais cinco com Danielle Mitterrand nas páginas de "Paris Match", justamente. Um mergulho nos arquivos da revista mostra efetivamente, em matéria de 16 páginas, a viúva do presidente em Latche, entrevistada pelo seu "conselheiro literário", Patrick Amory, que posa junto com ela diante das objetivas de Rostain e Mouron, que ainda não estão brigados com ele.

Claude Azoulay continua sendo o objeto do opróbrio geral. Atingido, ele quer salvar a sua honra. Ele considera então a idéia de "quebrar a cara" de georges Kiejman. Num sábado em que ele está reunido com amigos na Closerie des Lilas, um restaurante parisiense em voga situado no Bulevar do Montparnasse, ele vê de longe o advogado que está almoçando com uma jovem mulher. "Prepare para mim um prato de espaguetes à bolonhesa", diz ele a um garçom que é um dos seus amigos. - "Nada de molho de tomate", aconselha este último, que entendeu a intenção de Azoulay; "o pessoal vai acreditar que é sangue. Eu vou lhe trazer o macarrão como molho de aipo". - "Está bem, mas me traga então duas porções", precisa Azoulay. De repente, Georges Kiejman adivinha pelo olhar da sua convidada que um perigo está o ameaçando.

Ele se levanta, detém o braço do agressor e evita por pouco o prato de salada com maionese que lhe era destinado. "Seu canalha! Personagem indigna!", urra o fotógrafo em meio aos incentivos de Michou, uma figura da noite parisiense, que está almoçando a três mesas dali.

Desde então, o pequeno círculo dos fiéis de Mitterrand e os homens da elite do mundo dos paparazzi recuperaram a sua calma. O choque que foi produzido pela foto já ficou para trás. Roger Thérond morreu em 2001 após ter livrado, ao seu pedido, Claude Azoulay de toda responsabilidade. "Thérond se foi com o seu segredo", comemora Patrick Amory, que tenta por meio deste comentário afastar todas as suspeitas que pesam contra ele.

A família Mitterrand, que obteve a proibição durante nove anos da publicação do livro do doutor Claude Gubler no qual este relata a luta do chefe do Estado contra o câncer, ao que tudo indica optou por dar continuidade às práticas do ex-presidente, que nunca atacava a imprensa na justiça.

Assim como Michel Charasse, que "está menos zangado com aquele que fez a foto do que com aquele que a publicou", a família passou a considerar o retrato mortuário como "decente". "Todo mundo na família achou a foto excelente", diz hoje Jean-Christophe Mitterrand. "De maneira estranha, mamãe não se sentiu atingida; ela achava até mesmo a foto bonita, digna de uma tradição iniciada no século 19, que inscreveu papai na mesma linhagem de Victor Hugo", escreveu ainda Mazarine Pingeot. No Museu d'Orsay, onde a sua mãe é conservadora, foi organizada, quatro anos atrás, uma exposição surpreendente dedicada ao gênero particular do "Último retrato".

No catálogo, um texto lembra que François Mitterrand viera se recolher diante da foto - anônima - de Léon Blum (ex-presidente) em seu leito de morte. Ele havia então comentado, admirativo: "A conquista de um rosto como este é o significado do socialismo".

Tradução: Jean-Yves de Neufville
Visite o site do Le Monde
Folha Online

Biografia, Cecília Meireles

Escreverás meu nome com todas as letras,
com todas as datas,
-- e não serei eu.

Repetirás o que ouviste,
o que leste de mim, e mostrarás meu retrato,
-- e nada disso serei eu.

Dirás coisas imaginárias,
invenções sutis, engenhosas teorias,
-- e continuarei ausente.

Somos uma difícil unidade,
de muitos instantes mínimos,
-- isso seria eu.

Mil fragmentos somos, em jogo misterioso,
aproximamo-nos e afastamo-nos, eternamente.
-- Como me poderão encontrar?

Novos e antigos todos os dias,
transparentes e opacos, segundo o giro da luz,
-- nós mesmos nos procuramos.

E por entre as circunstâncias fluímos,
leves e livres como a cascata pelas pedras.
-- Que mortal nos poderia prender?

Cecília Meireles
Biografia
Poesias completas, 1976.

Foucault, entrevista

O homem está morto?
L'homme est-il mort? (entrevista com C. Bonnefoy), Arts et Loisirs, no 38, 15-21, junho de 1966, pp. 8-9. Traduzido a partir de FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994, vol. I., p. 540-544, por Marcio Luiz Miotto. Revisão de wanderson flor do nascimento.
[... primeiro pedimos a Michel Foucault que definisse o lugar exato e a significação do humanismo em nossa cultura. ]
- Cremos que o humanismo é uma noção muito antiga que remonta a Montaigne e bem mais além. Ora, a palavra "humanismo" não existe nos Ensaios. Na verdade, com essa tentação da ilusão retrospectiva à qual sucumbimos muito freqüentemente, imaginamos de boa vontade que o humanismo sempre foi a grande constante da cultura ocidental. Assim, o que distinguiria esta cultura das outras, das culturas orientais ou islâmicas, por exemplo, seria o humanismo. Comovemo-nos quando reconhecemos vestígios deste humanismo noutro lugar, num autor chinês ou árabe, e temos então a impressão de nos comunicar com a universalidade do tipo humano. Ora, não somente o humanismo não existe nas outras culturas, mas está provavelmente na nossa cultura na ordem da miragem. No ensino secundário, aprendemos que o século XVI foi a era do humanismo, que o classicismo desenvolveu os grandes temas da natureza humana, que o século XVIII criou as ciências positivas e que chegamos enfim a conhecer o homem de maneira positiva, científica e racional com a biologia, a psicologia e a sociologia. Imaginamos que, ao mesmo tempo, o humanismo tem sido a grande força que animou o nosso desenvolvimento histórico e que é finalmente a recompensa desse desenvolvimento, resumidamente, que é o princípio e o fim. O que nos admira na nossa cultura atual, é que ela possa ter a preocupação com o humano. E se falamos de barbárie contemporânea, é na medida em que as máquinas, ou certas instituições, nos aparecem como não humanas. Tudo isso é da ordem da ilusão. Primeiramente, o movimento humanista data do fim século XIX. Em segundo lugar, quando se olha ligeiramente as culturas dos séculos XVI, XVII e XVIII, percebe-se que o homem não tem literalmente nenhum lugar. A cultura é então ocupada por Deus, pelo mundo, pela semelhança das coisas, pelas leis do espaço, e certamente também pelo corpo, pelas paixões, pela imaginação. Mas o homem mesmo é completamente ausente. Em As Palavras e as Coisas, quis mostrar de quais peças e quais pedaços o homem foi composto no fim século XVIII e início do XIX. Tentei caracterizar a modernidade dessa figura, e o que me pareceu importante era mostrar isso: não é tanto porque se teve um cuidado moral com o ser humano que se teve a idéia de conhecê-lo cientificamente, mas é pelo contrário porque construiu-se o ser humano como objeto de um saber possível que em seguida desenvolveram-se todos os temas morais do humanismo contemporâneo, temas que são encontrados nos marxismos frouxos, em Saint-Exupéry e Camus, em Teilhard Chardin, resumidamente, em todas essas figuras pálidas da nossa cultura. - Você falou aqui de humanismos frouxos. Mas como você situa algumas formas mais sérias de humanismo, o humanismo de Sartre, por exemplo ? - Se afastamos as formas fáceis de humanismo que representam Teilhard e Camus, o problema de Sartre aparece como completamente diferente. Aproximadamente, pode-se dizer isso: o humanismo, a antropologia e o pensamento dialético estão ligados. O que ignora o homem, é a razão analítica contemporânea que se viu nascer com Russell, e que aparece em Lévi-Strauss e nos lingüistas. Esta razão analítica é incompatível com o humanismo, enquanto que a própria dialética se nomeia acessoriamente de humanismo. Ela se nomeia por várias razões: porque é uma filosofia da história, porque é uma filosofia da prática humana, porque é uma filosofia da alienação e da reconciliação. Por todas essas razões e porque continua, no fundo, uma filosofia do retorno a si mesmo, a dialética promete em certa medida ao ser humano que ele se tornará um homem autêntico e verdadeiro. Ela promete o homem ao homem e, nessa medida, não é dissociável de uma moral humanista. Neste sentido, os grandes responsáveis do humanismo contemporâneo, são evidentemente Hegel e Marx. Ora, parece-me que escrevendo a Crítica da razão dialética, Sartre pôs em certa medida um ponto final, ele fechou novamente o parêntese sobre todo este episódio da nossa cultura que começa com Hegel. Ele fez tudo o que pôde para integrar a cultura contemporânea, isto é, as aquisições da psicanálise, da economia política, da história, da sociologia, à dialética. Mas é característico que ele não poderia deixar cair tudo o que é da competência da razão analítica e que faz profundamente parte da cultura contemporânea: lógica, teoria da informação, lingüística, formalismo. A Crítica da razão dialética é o magnífico e patético esforço de um homem século XIX para pensar o século XX. Neste sentido, Sartre é o último hegeliano, e eu diria mesmo o último marxista. - Ao humanismo sucederá então uma cultura não dialética. Como você a concebe e o que se pode dizer dela agora? - Esta cultura não dialética que está a caminho de se formar é ainda muito balbuciante por diversas razões. Primeiro, porque tem aparecido espontaneamente em regiões extremamente diferentes. Ela não tem lugar privilegiado. Também não se apresentou, de entrada, como uma inversão total. Ela começou com Nietzsche quando ele mostrou que a morte de Deus não era o aparecimento, mas o desaparecimento do homem, que o homem e Deus tinham estranhos parentescos, que eram ao mesmo tempo irmãos gêmeos e pais e filhos um do outro, que Deus estando morto, o homem não poderia não desaparecer, ao mesmo tempo, deixando atrás de si uma monstruosidade. Ela apareceu igualmente em Heidegger, quando tentou retomar a abordagem fundamental do ser em um retorno à origem grega. Apareceu igualmente em Russell, quando fez a crítica lógica da filosofia, em Wittgenstein, quando colocou o problema das relações entre lógica e linguagem, nos lingüistas, e nos sociólogos como Lévi-Strauss. Resumidamente, para nós mesmos atualmente, as manifestações da razão analítica ainda são dispersas. É aqui que se apresenta a nós uma tentação perigosa, o retorno puro e simples ao século XVIII, tentação que ilustra bem o interesse atual pelo século XVIII. Mas não se pode ter um tal retorno. Não refaremos mais a Enciclopédia ou o Tratado das sensações de Condillac[1]. - Como evitar essa tentação ? - É necessário tentar descobrir a forma própria e absolutamente contemporânea desse pensamento não dialético. A razão analítica século XVII era caracterizada essencialmente por sua referência à natureza; a razão dialética do século XIX desenvolveu-se sobretudo em referência à existência, ou seja, ao problema das relações do indivíduo à sociedade, da consciência à história, da práxis à vida, do sentido ao sem sentido, do vivo ao inerte. Parece-me que o pensamento não dialético que se constitui agora não põe em jogo a natureza ou a existência, mas isso que é o saber. Seu objeto próprio será o saber, de tal modo que esse pensamento esteja em posição segunda em relação ao conjunto, à rede geral dos nossos conhecimentos. Ele terá que se interrogar sobre a relação que pode haver, por um lado, entre os diferentes domínios do saber e, por outro lado, entre saber e não-saber. Não se trata de uma empresa enciclopédica. Primeiramente, a Enciclopédia acumulava os conhecimentos e fazia sua justaposição. O pensamento atual deve definir isomorfismos entre os conhecimentos. Em segundo lugar, a Enciclopédia tinha por tarefa de expulsar o não-saber em benefício do saber, das luzes. A nós, temos a compreender positivamente a relação constante que existe entre o não-saber e o saber, porque um não suprime o outro; eles estão em relação constante, apoiam-se um no outro e podem ser compreendidos apenas um através do outro. É por isso que a filosofia passa atualmente por uma espécie de crise de austeridade. É menos sedutor falar do saber e dos seus isomorfismos que da existência e o seu destino, menos consolador falar das relações entre saber e não-saber que falar da reconciliação do homem consigo mesmo numa iluminação total. Mas, depois de tudo, o papel da filosofia não é forçosamente o de adocicar a existência dos homens e prometer-lhes algo como uma felicidade. - Você fala de literatura. Em As Palavras e as Coisas, na margem da arqueologia das ciências humanas, mas no mesmo movimento de pensamento, você esboça, a propósito de Dom Quixote e Sade sobretudo, isso que poderia ser uma abordagem nova da história literária. Qual deveria ser esta abordagem? - A literatura pertence à mesma trama que todas as outras formas culturais, a todas as outras manifestações do pensamento de uma época. Disso nós sabemos, mas o traduzimos comumente em termos de influências, de mentalidade coletiva, etc. Ora, creio que a maneira mesma de utilizar a linguagem numa cultura dada em um momento dado está ligada intimamente a todas as outras formas de pensamento. Pode-se perfeitamente compreender em um só movimento a literatura clássica e a filosofia de Leibniz, a história natural de Lineu, e a gramática de Port-Royal. Parece-me da mesma maneira que a literatura atual faz parte desse mesmo pensamento não dialético que caracteriza a filosofia. -Como assim? - À partir de Igitur[2], a experiência de Mallarmé (que era contemporânea de Nietzsche) mostra bem como o jogo próprio e autônomo da linguagem vem se alojar precisamente onde o homem acaba de desaparecer. Depois, pode-se dizer que a literatura é o lugar onde o homem não cessa de desaparecer em proveito da linguagem. Onde "isso fala", o homem não existe mais. Desse desaparecimento do homem em benefício da linguagem, obras tão diferentes como as de Robbe-Grillet e de Malcolm Lowry, de Borges e Blanchot o testemunham. Toda a literatura está em uma relação com a linguagem que é no fundo a que o pensamento mantém com o saber. A linguagem diz o saber não sabido da literatura.
- As Palavras e as Coisas é aberto com uma descrição de As Meninas de Vélasquez, que se apresenta como o exemplo perfeito da idéia de representação no pensamento clássico. Se você fosse escolher um quadro contemporâneo para ilustrar da mesma maneira o pensamento não dialético de hoje, qual você escolheria? - Parece-me que é a pintura de Klee que representa melhor, em relação ao nosso século, o que pôde ser Vélasquez em relação ao seu. Na medida em que Klee faz aparecer em forma visível todos os gestos, atos, grafismos, vestígios, lineamentos, superfícies que podem constituir a pintura, ele faz o ato mesmo de pintar o saber manifesto e cintilante da própria pintura. Sua pintura não é de arte bruta, mas uma pintura re-significada pelo saber aos seus elementos mais fundamentais. E estes elementos, aparentemente os mais simples e os mais espontâneos, os mesmos que não apareciam e que pareciam não dever jamais aparecer, são os que Klee espalha sobre a superfície do quadro. As Meninas representava todos os elementos da representação, o pintor, os modelos, o pincel, a tela, a imagem no espelho, elas decompunham a pintura mesma nos elementos que faziam uma representação. Já a pintura de Klee compõe e decompõe a pintura nos seus elementos que, por serem simples, não são menos suportados, assombrados, habitados pelo saber da pintura.

___________________________
[1] Condillac, E. de. Traité des sensations - 1754. Paris: Fayard, 1984.
[2] Mallarmé, S., Igitur. Paris: Gallimard, 1925.

domingo, 16 de setembro de 2007

Biography Essentials


Andrew Eccles, Retrato de Steve Martin, s.d.


O retrato acima me faz colocar algumas questões, pensando um pouco no conceito de Defacement:


1) Haveria algo que não poderia faltar numa biografia?


2) Haveria uma essência da e na biografia? Se sim, onde? Se não, o que haveria no lugar?
3) Supondo a multiplicidade de personas acerca de um mesmo sujeito presentes numa biografia, haveria alguma razão para destacar uma ou outra das demais, como se para além do recurso expositivo houvesse uma hierarquia de facto entre as diferentes personas? Seria essa "hierarquia" fruto da escolha do próprio sujeito ou resultado da estrutura social na qual o sujeito se insere? Alternativamente, como caracterizar adequadamente uma situação na qual o sujeito "joga" ou negocia com a estrutura o lugar, o sentido e o valor específico de cada uma de suas personas? Ou ele apenas negocia com a estrutura "por blocos", quer dizer, não segundo cada uma das personas individualmente mas segundo o valor específico do próprio sujeito/indivíduo em cada estrutura, dadas as diferentes possibilidades de configuração segundo o tempo, o meio e o espaço?
4) Uma curiosidade: haveria algo a se aprender acerca da realidade a partir da observação dos RPG (Role Playing Games)? O que exatamente estaríamos observando?

Nome Próprio e Psicanálise

O nome próprio e sua relação com o inconsciente
Cláudia Aparecida de Oliveira Leite, IEL-Unicamp
Resumo

A proposta do presente trabalho é articular o nome próprio com as formações do inconsciente, mais precisamente com os chistes, para formular de maneira singular a relação que ele estabelece com os processos inconscientes. Privilegiamos trabalhar com os chistes que utilizam nomes próprios pois, a partir destes, avançaremos na discussão sobre a função do nome próprio e sua relação com o inconsciente. Recolhemos da Lógica – Filosofia da Linguagem e da Lingüística as contribuições de alguns autores que articulam esse tema e de acordo com os mesmos, apresentamos as discussões sobre o sentido do nome próprio, seu valor referencial, seu estatuto de saturação e mesmo as modalidades de nomeação (ato de batismo, agenciamento enunciativo, etc.). Esta pesquisa contribui para as discussões sobre o tema ao demarcar que a noção de sujeito em Psicanálise nos conduz à possibilidade de considerarmos os nomes próprios de pessoa tomado em sua dupla função: de significante e de objeto.
Acesso PDF Online a partir daqui.

sábado, 8 de setembro de 2007

"The Problem With Taking Portraits At 'Face' Value"




(1966) Rene Magritte, Paysage de Baucis, Gravura 94/100, 37,5 x 27,5 cm, anteriormente em William Weston Gallery.



Diz Richard Brilliant em seu livro, Portraiture:

"We are so used to recognizing people from their faces that we feel disoriented when they are absent, or delusive, or otherwise insufficient.



How specific such facial indicators must be has been put to the test by Magritte's etching, Paysage de Baucis, which is considered to be a form of self-portrait because of its resemblance to portrait photographs of the artist and because it includes the bowler hat that Magritte always wore. Without this prior knowledge, however, a viewer would have difficulty recognizing the image as a portrait, let alone a portrait of the artist. Unlike the faceless Roman statue, there is nothing about this image that calls for such a specific classification among the genres of art. The viewer must integrate the typical features of the human face into the shape of a human head and provide the enclosing outline, thus defining the image of himself mentally; he also has to find some reason for believing that the image refers to someone in particular. The artist's metaphisical concept addresses the process of becoming a person rather than the attainment of a fixed state of being. This allows Magritte to comment on the way in which identity is given to a person from the outside and to modify the conception of a visible likeness, so long tied to the idea of portraiture.



Paul Klee has explored the challenge to personal identity perhaps more than any other modern artist. He has also used the mask to investigate its potential for concealment and revelation. The masks in his work express his uncertainty as to whether visible faces have any continuous and true connection to their bearers and whether there is any core of self to which specific faces might be legitimately attached. His 1932 watercolour, Ein neue Gesicht (A New Face), shows two ghostly intersecting forms - vague visages - in the process of change, a theme repeatedly explored by Klee in his ironic response to the world's masquerade. The concept of individuality was then receding in art and literature, and perhaps the vagueness of this image was Klee's metaphor for that changing attitude. With this erosion of the sense of self, only the vestigial autonomy of the person - the dark shapes within the lighter shapes in the watercolour - could survive, if namelessly. In Robert Musil's words:



'The center of gravity no longer lies in the individual but in the relations between things.'



Historically, portrait artists have often sought to discover some central core of personhood as the proper object of their representation. They have done so not because tghey doubted its existence, as did Klee, but because they wanted to capture, unmistakably, the special quality or qualities of their subject. That invisible core of self was always hard to grasp and even harder to portray, so various solutions were invented that would extend the metaphorical nature of the portrait in a manner consistent with the subject's own behavior or patterns of self-representation. This mode of portrayal has, as its ruling principle, the presentation of the individual in some special, personal capacity, however extreme that might appear." *



* Brilliant, 1991: 65-67.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Sir James George Frazer: O Ramo de Ouro


(1834) Joseph Mallord William Turner, The Golden Bough, Óleo sobre Tela, 104,1 x 163,8 cm, Tate Gallery - Londres.

Seriedade e Dedicação


(1790-1) John Opie, Mary Wollstonecraft, Óleo sobre Tela, 75,9 x 63,8 cm, Tate Gallery.
Eis o que diz o texto da Tate Gallery sobre esse quadro:

"The pioneering feminist Mary Wollstonecraft is shown as though distracted momentarily from her studies. The sombre colours of her costume and the cloistered, darkened setting convey a sense of seriousness and dedication.
Painting a woman in such a role would have been more controversial in an earlier age. It was generally thought that only wealthy men could possess intellectual power. By stressing universal human values, Sensibility inadvertently helped pave the way for claims that women – at least middle-class women – might have as much moral and mental strength as men."

Proximidades




(1781) Johann Heinrich Füssli (John Henry Fuseli), The Nightmare, Óleo sobre Tela, 127 x 102 cm, Detroit Institute of the Arts
Dêem uma olhada no artigo do Wikipedia sobre Füssli: seu pai era retratista e ao se envolver brevemente com Mary Wollstonecraft, o artista pintou-lhe o retrato. Além disso, Füssli publicou uma edição inglesa do tratado de Lavater sobre a Fisiognomonia.
Uma outra coisa interessante: Mary Wollstonecraft escreveu um livro para crianças, intitulado Original Stories From Real Life, que foi ilustrado por ninguém menos que William Blake, outro grande artista e intelectual do circulo em questão. Detalhe: o nome completo do livro de Mary era Original Stories, From Real Life: With Conversations, Calculated To Regulate The Affections, And Form The Mind To Truth And Goodness!
Há um ensaio interessante no site da Tate Gallery feito para o catálogo da exposição Gothic Nightmares: Fuseli, Blake and the Romantic Imagination, de 2006, cujo título é Fuseli To Frankeinstein: The Visual Arts in the Context of the Gothic. É só clicar ai no título ou então aqui.

Retrato de Mary Wollstonecraft, National Portrait Gallery


Esse retrato, que Ruth Bendict viu na Natinal Portrait Gallery quando ainda era uma criança, despertou seu interesse em entender como outras mulheres lutaram por suas vidas.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Fashioning The Self


(1962) Andy Warhol, # 204 Marilyn Diptych, Acrílico sobre Tela, 205,4 x 144,8 x 2 cm,
Tate Gallery - Londres.



Segundo Richard Brilliant,



"The effective combination of mechanical or electronic reproduction and tendentious redudancy has been deliberately exploited by Andy Warhol in a number of Pop portraits of the 1960s, such as his huge Marilyn Diptych in the Tate Gallery. Fifty identical images of the actress-celebrity, Marilyn Monroe, slightly modified by colour and tone, are deliberately shown together in a single work, almost fourteen feet wide, to make a statement about the banality of popular imagery, about the insistent stereotyping of such images, about figural and non-figural pattern formation, about mechanical printing - but very little about Marilyn Monroe (itself an alias). Warhol's Marilyn is about image-making rather than portraiture because the work so clearly emphasizes the mechanism of popular representation in the modern age but not the person represented.



Here, and elsewhere, Warhol seems to deprive the portrait of much of its deeper referential content in order to suggest both the artificial confection of her public personality and the relative invisibility of the person behind the public image, the latter offered as a commodity for the viewer's consumption. Yet his Marilyn retains her identity in the public consciousness despite the fact that her image has been reduced to her smiling face with its crown of blond hair, unsupported by the voluptuous figure that was no less an essential part of her persona. Warhol's concentration upon Marilyn's image-sign, and his replication of it, forces the viewer to connect this art work with the broader phenomenon of mechanical reproduction that inevitably erodes the status of an original, even the original in the portrait. Yet, the viewer has no difficulty in providing the name of that original because the artist has retained enough of her synthetic image to make identification certain. So familiar have her features become through repetition that the denotative power of her image is absolutely firm, even without a label." *



O que eu acho interessante nesta obra de Warhol é o fato dela ser um díptico, ou seja, não é por acaso que o artista escolhe colocar lado a lado um conjunto de "retratos" coloridos de Marilyn Monroe e outro em preto-e-branco. A análise de Brilliant me parece estar correta, mas é preciso enfatizar este aspecto dual da obra. É por meio dele que se constrói a idéia da obra ser sobre o fenômeno da produção imagética (que, em última medida, fabrica personalidades...) e não um mero retrato da artista-celebridade. Sem esse elemento que contrasta os dois padrões distintos de reprodução da imagem o sentido da obra permaneceria vago.




O título do post, Fashioning the Self, poderia talvez ser traduzido na forma indireta por "transformando o Eu numa moda", ou então "tomando o Eu como se fosse uma moda". Fico pensando na discussão do Louis Dumont sobre o individualismo...


*Brilliant, Richard. Portraiture. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1991, pp. 47-49.