sábado, 22 de setembro de 2007

François Mitterrand: o mistério da última foto

18/01/2007
François Mitterrand: o mistério da última foto
Contra a vontade da família, uma foto do ex-presidente no seu leito de morte foi feita e publicada pela revista Paris Match; até hoje não se sabe quem foi o autor

Raphaëlle Bacqué e Ariane Chemin

Na segunda-feira, 8 de janeiro de 1996, ao amanhecer, François Mitterrand deixa lentamente este mundo, no número 9 da Avenida Frédéric Le Play, à proximidade da Escola Militar, na qual ele havia se retirado seis meses antes. Às 23 horas, na véspera, ele pedira ao doutor Jean-Pierre Tarot, que ficou segurando a sua mão até o seu derradeiro suspiro, para receber a extrema-unção. Anne Pingeot, a mãe de Mazarine, que passou a noite no local, é a primeira a ser avisada, pouco antes das 6h da manhã. Então, o Dr. Tarot avisa a esposa, Danielle Mitterrand, que retornara na véspera de Latche. Ele também avisa a irmã de Danielle, Christine Gouze-Rénal, o seu marido, Roger Hanin e, por fim, o executor testamentário do antigo presidente, André Rousselet, o qual contata em seguida Jacques Chirac, que será a primeira personalidade a comparecer diante do despojo mortal.

Dez anos depois ainda não se sabe quem tirou a foto de Mitterrand em seu leito de morte



Mas é preciso esperar até 10h55 para ver a notícia ser publicada pela AFP: "Mitterrand morreu, conforme anúncio do seu secretariado". Contudo, o canal de TV France 2 já difundiu a notícia, e o turbilhão de telefonemas e de visitas começou. A imprensa está mobilizada. As crônicas necrológicas estão prontas; além disso, nas últimas semanas, os fotógrafos acompanharam de perto o entourage de François Mitterrand para relatar seus últimos instantes em imagens. Alguns dias antes, um exército de paparazzi acompanhou o último réveillon do antigo presidente, no Old Cataract, no Egito. Agora, eles querem a foto de François Mitterrand em seu leito de morte.

É um retrato difícil de fazer. E difícil de publicar. Na redação da revista semanal "Paris Match", Roger Thérond sonha com essa foto. Para o patrão desta publicação, que é o olho e a alma da revista desde 1976, não existe nenhuma imagem tabu, nenhuma foto é proibida. Segundo a sua mulher, Astrid, Thérond possui na sua coleção pessoal de fotos, uma das mais ricas da França, o belíssimo retrato de Victor Hugo (escritor, 1802-1885) no seu leito de morte, que foi feito em 23 de maio de 1885 pelo fotógrafo Félix Nadar. Uma foto cultuada pelos aficionados de despojos mortais e os especialistas do século 19, um século em que muitos adoram pintar, esculpir e fotografar os mortos.

Há muito, Roger Thérond aprendeu que uma boa reportagem sobre homens ilustres deve correr do nascimento até a morte. Ele conserva uma recordação sofrida do início da sua carreira de redator em chefe e da lição de jornalismo que lhe fora administrada em 1951 pelos seus mentores, Hervé Mille e Gaston Bonheur, por ocasião da morte do (célebre ator) Louis Jouvet. Ele lhes havia apresentado então com orgulho as fotos selecionadas para o número especial dedicado ao homem de teatro. "Perfeito", havia respondido Hervé Mille. "Mas você tem a foto dele no seu leito de morte? - Não. Mas nós temos todas as outras? - Você aprenderá que é preciso mostrar para os leitores aquilo que torna todos os homens semelhantes: os primeiros momentos e o fim". Desde aquele dia, Thérond sempre exige a foto "do fim".

Na imprensa, portanto, todos os profissionais sabem que a "Paris Match" está disposta a comprar "a" foto. Mas quem poderia fazê-la? Desde o anúncio da morte, centenas de pessoas que entrar no prédio da Avenida Frédéric Le Play. "Por favor, voltem amanhã, aqui está uma bagunça", aconselha, no terceiro andar, Pierre Tourlier, o motorista do antigo chefe de Estado. Nesta segunda-feira, a família de François Mitterrand está escolhendo aqueles que poderão vir se recolher diante do despojo mortal. Para ter acesso ao morto, portanto, é preciso ser um amigo da família.

Do outro lado de Paris, os fotógrafos Pascal Rostain e Bruno Mouron, patrões da agência Sphinx, estão à espreita. Esses dois campeões da profissão contam em seu currículo algumas das mais belas façanhas desses últimos vinte anos. Foram eles que forneceram a "Paris Match", em 1994, o "furo" de dois paparazzi mostrando pela primeira vez François Mitterrand, com a mão carinhosamente apoiada no ombro da sua filha "escondida", Mazarine Pingeot. Eles não hesitaram a "perseguir" com técnicas de espionagem o antigo presidente durante a sua última estada em Assuã (Egito), no Natal de 1995. Hoje, eles procuram por alguém a quem entregar a máquina para fazer o famoso retrato. Um guarda? Um membro da alta hierarquia do ex-presidente? Impossível, pensam eles de imediato. Seria preciso recorrer a um intermediário.

Eles conhecem dois jornalistas apenas que seriam suscetíveis de aceder ao quarto mortuário. O primeiro é Claude Azoulay, um fotógrafo que vem acompanhando François Mitterrand para "Paris Match" desde 1979. Mas "Zouzou" está "apaixonado" demais pelo seu alvo. Um ano antes, ele havia brigado com a diretoria da revista quando da publicação das fotos de Mazarine - de quem ele mesmo jamais revelara a existência. Transtornado pela morte do seu modelo, ele certamente se recusará a fazer a foto sacrílega, avaliam. Para esta tarefa, contam eles pela primeira vez, eles estudam recorrer aos serviços de Patrick Amory. Um homem alto e bonito de tez mestiçada, sempre elegante, este possui uma lábia inigualável. Ele se apresenta alternadamente como um antropólogo, um modelo, um etnólogo ou um professor de ginástica. Acima de tudo, ele é um autêntico homem "das grandes jogadas". Ele se tornou famoso em 1987 com um livro, "Mission oxygène" (Missão oxigênio), dedicado ao caso Greenpeace, um "poema lírico" muito controvertido à glória da DGSE (serviço secreto) e aos seus nadadores de combate.

Conhecido por reforçar com uma voz sedutora o seu talento de persuasão, Amory é mestre na arte de suscitar as confidências para escrever livros a partir delas. Ao longo dos últimos anos, ele conseguiu penetrar na intimidade dos Mitterrand. Ele conquistou a amizade de Jean-Christophe, o filho primogênito, e, sobretudo, da sua mãe, Danielle, que ele está ajudando a escrever a sua autobiografia - "En toutes libertés", "Com todas as liberdades" -, que será publicada algumas semanas depois do funeral. Durante o verão de 1995, Amory instalou-se para trabalhar em Latche, a casa que o casal presidencial possui na região das Landes (Sudoeste).

No outono, Amory não sai mais do apartamento da Rua de Bièvre, o domicílio parisiense de Danielle Mitterrand. Ele tomou por hábito de abastecer com fotos e entrevistas inéditas Roger Thérond, que aprecia como bom conhecedor que ele é a sua maneira de forçar as barreiras. Inclusive as confidências da esposa do antigo presidente.

Pascal Rostain e Bruno Mouron lhe entregam, portanto, uma Minox 35, uma das máquinas fotográficas de menor tamanho do mercado, que deverá servir para imortalizar "o" furo. Melhor ainda, eles regulam a máquina para ele. Eles sabem que o quarto do morto será necessariamente iluminado com uma luz velada. Eles escolheram uma película de 800 ASA e bloquearam cuidadosamente o regulador de distância para 3 metros, para uma foto de pose lenta, no 30º de segundo. "Você só precisa se manter imóvel e apertar no gatilho", explicam esses dois profissionais. A máquina dispõe de um grande ângulo, o que permite cobrir a sala inteira, mas, por conta do seu tamanho muito reduzido, ela pode ser enfiada num bolso. Sem que ninguém nada perceba.

Na Avenida Frédéric Le Play, a procissão, daqui para frente, é ininterrupta, porém mais bem organizada. Em frente à porta do prédio, o serviço de segurança organizou o alinhamento, numa única fila, à esquerda, da multidão dos anônimos que vieram depositar uma rosa. À direita, as celebridades, os responsáveis políticos, os amigos estão autorizados a entrar no prédio. No terceiro andar, os mais íntimos, que, na maioria dos casos são introduzidos por dois dos fiéis guardas de segurança do antigo presidente, se recolhem por alguns minutos diante do defunto.

No triste quartinho dos seus derradeiros instantes, François Mitterrand jaz sobre o leito, aprontado e trajando um terno cinza escuro. O rosto, ligeiramente maquiado, está apaziguado. Num canto da sala estão algumas bengalas de madeira, abandonadas. Na parede, uma gravura de Veneza. Na pequena biblioteca estão alinhados livros sobre a abadia de Vézelay e a arte romana, além do "Livro dos mortos". Sobre a mesa de cabeceira há dois livros: "Axel", de Villiers de L'Isle-Adam, e um romance de André Gide.

A vigília fúnebre está prevista para a noite de terça-feira. O enterro para a quinta, em Jarnac, está reservado para os íntimos: uma missa está agendada na mesma hora na catedral de Notre Dame de Paris. É preciso agir depressa. Na segunda-feira, Amory dá um pulo até o apartamento da Avenida Frédéric Le Play para dar uma força a Danielle. Ele retorna ao local na terça-feira, sem que ninguém se mostre surpreso com isso. Afinal, desde este verão, ele é considerado pelo Grupo de Segurança da Presidência da República (GSPR), que vigia François Mitterrand, como um íntimo da família. Ninguém tampouco se surpreende com a presença de Claude Azoulay, que aparece na terça-feira, por volta de meio-dia.

O fotógrafo anunciou a sua chegada por telefone a Christiane Dufour, a fiel secretária do presidente, que evidentemente convidou este antigo cúmplice de François Mitterrand a se juntar a eles. No bolso de Azoulay está escondida a máquina fotográfica da qual ele nunca se depara. Ele se recolhe por dois minutos no quarto do morto, acompanhado por Jean-Pierre Barret, um membro do GSPR. Emocionado, ele beija os mocassins do falecido. Ao sair do quarto na companhia do major, o segundo policial militar de plantão na frente da porta entreaberta arrisca uma brincadeira de mau-gosto: "Ah, essa foto, você não a fará!" No saguão da entrada, o fotógrafo de "Paris Match" faz uma pausa para conversar com alguns amigos.

Esta é a sua primeira visita no apartamento da Avenida Le Play. Ele nota o imenso retrato de François Mitterrand, pintado com grafita de chumbo por Frédéric Pardo. Azoulay tira a máquina do seu bolso e, diante dos guardas e dos amigos, ele o imortaliza vezes seguidas. No fim de semana seguinte, na sede de "Paris Match", em Levallois-Perret (periferia de Paris), Michel Sola, o redator em chefe, recebe um telefonema de Roger Thérond. "Um táxi vai trazer fotos para você, num envelope", resmunga o patrão, lacônico. Um veterano que atua nesta revista semanal desde 1963, Sola possui um sangue-frio a toda prova. Ele não faz pergunta alguma e está pronto para o que der e vier. Algumas horas mais tarde, um motorista de táxi lhe entrega um envelope de papel Kraft. Dentro dele estão três negativos que ele encaminha imediatamente para o "laboratório" de "Paris Match". As três fotos são as de François Mitterrand no seu leito de morte. Tecnicamente bem feitas. O enquadramento é perfeito, a contraluz bem compensada. As três foram feitas por ângulos diferentes.

É o próprio Thérond quem escolhe duas delas. Não há o menor escrúpulo. Nenhuma hesitação. "Por que você haveria de se preocupar com o que irão dizer de você?", rebate ele quase sempre quando jornalistas se dizem constrangidos com a publicação de certas fotos. "Você pode ser criticado hoje por uma foto que, dentro de dez anos, será considerada como uma obra-prima". Adivinhando que o retrato vai provocar um escândalo, ele decide, contudo, de publicar do seu lado alguns famosos retratos póstumos: dentre estes está um de Victor Hugo por Nadar, o outro de Marcel Proust por Man Ray e a máscara mortuária de Napoleão 1º pelo doutor Arnot. Em outro fato excepcional, Roger Thérond assina, ele mesmo, o editorial que se destina a justificar a publicação das fotos: "Mesmo se nós publicamos documentos, digamos extremos, nós assumimos este ato porque eles se impõem pela sua beleza, sua força, seu peso".

Quando a revista chega às bancas, na terça-feira, 16 de janeiro, dois dias antes da date habitual, as fotos causam um alvoroço. A tiragem da edição é de 1.800.000 exemplares, a venda é histórica. Sem demora, os olhares enfurecidos dos membros do círculo restrito do ex-presidente se voltam para três pessoas. Claude Azoulay, é claro, que todo mundo viu com a sua máquina. Além deste, o doutor Jean-Pierre Tarot, um aficionado por fotos, é suspeitado. E até mesmo o namorado de Mazarine, Ali Baddou. Nesta família dilacerada entre dois clãs, todo mundo suspeita de todo mundo e todos parecem estar mergulhados num universo irracional. Mazarine Pingeot lembra, no seu livro "Bouche cousue" (Boca fechada), publicado em 2005 pela editora Julliard, que o seu amigo em nenhum momento "foi ver [o seu pai] no apartamento da Frédéric Le Play"? Apesar dos seus desmentidos indignados, Azoulay permanece o único suspeito.

Aquele que era até então o fotógrafo do príncipe é acusado de traição. Muitos se recusam a apertar a sua mão. Outros desviam o olhar em sua presença. Insultos são murmurados nas suas costas. Georges Kiejman tem tudo a ver com essas reações. Um advogado da família Mitterrand e de Mazarine Pingeot, o antigo ministro e amigo do defunto incentiva Danielle Mitterrand a dar queixa contra pessoa desconhecida?, no mesmo dia da publicação da revista, por ofensa à vida privada.

Um inquérito é iniciado pelo ministério público. Interrogado pela polícia dois dias mais tarde, em 18 de janeiro, Roger Thérond se mantém inabalável e se recusa a revelar o nome do fotógrafo. Após ter argumentado em defesa do "interesse histórico das fotos", ele reconhece que se trata de um "membro íntimo da família Mitterrand". Os peritos concluem que as fotos podem ter sido feitas com a máquina de Azoulay, mas sem fornecer prova alguma do seu envolvimento. Aliás, o ministério público não abre nenhum processo contra ele. Ao intervir perante os magistrados do 17º tribunal de instância superior de delitos penais de Paris, o advogado Kiejman constata, contudo, uma série de "fatos perturbadores" que apontam, aos seus olhos, para a culpabilidade do fotógrafo de "Paris Match".

O inquérito judiciário nunca desvendará o mistério da identidade do fotógrafo. A revista é condenada a pagar aos queixosos a simbólica quantia de 1 franco por ter publicado as fotos sem o seu acordo, alegando o motivo de que o direito à vida privada não perde a sua vigência no momento da morte. Em contrapartida, os magistrados rejeitam o pedido dos queixosos que queriam ver o julgamento ser reproduzido na capa da revista. Eles sublinham não sem malícia que "o ressentimento da família em relação à revista semanal foi de muito curta duração": entre os dias 1º de fevereiro e 1º de agosto de 1996, eles contabilizaram seis entrevistas ou reportagens, das quais cinco com Danielle Mitterrand nas páginas de "Paris Match", justamente. Um mergulho nos arquivos da revista mostra efetivamente, em matéria de 16 páginas, a viúva do presidente em Latche, entrevistada pelo seu "conselheiro literário", Patrick Amory, que posa junto com ela diante das objetivas de Rostain e Mouron, que ainda não estão brigados com ele.

Claude Azoulay continua sendo o objeto do opróbrio geral. Atingido, ele quer salvar a sua honra. Ele considera então a idéia de "quebrar a cara" de georges Kiejman. Num sábado em que ele está reunido com amigos na Closerie des Lilas, um restaurante parisiense em voga situado no Bulevar do Montparnasse, ele vê de longe o advogado que está almoçando com uma jovem mulher. "Prepare para mim um prato de espaguetes à bolonhesa", diz ele a um garçom que é um dos seus amigos. - "Nada de molho de tomate", aconselha este último, que entendeu a intenção de Azoulay; "o pessoal vai acreditar que é sangue. Eu vou lhe trazer o macarrão como molho de aipo". - "Está bem, mas me traga então duas porções", precisa Azoulay. De repente, Georges Kiejman adivinha pelo olhar da sua convidada que um perigo está o ameaçando.

Ele se levanta, detém o braço do agressor e evita por pouco o prato de salada com maionese que lhe era destinado. "Seu canalha! Personagem indigna!", urra o fotógrafo em meio aos incentivos de Michou, uma figura da noite parisiense, que está almoçando a três mesas dali.

Desde então, o pequeno círculo dos fiéis de Mitterrand e os homens da elite do mundo dos paparazzi recuperaram a sua calma. O choque que foi produzido pela foto já ficou para trás. Roger Thérond morreu em 2001 após ter livrado, ao seu pedido, Claude Azoulay de toda responsabilidade. "Thérond se foi com o seu segredo", comemora Patrick Amory, que tenta por meio deste comentário afastar todas as suspeitas que pesam contra ele.

A família Mitterrand, que obteve a proibição durante nove anos da publicação do livro do doutor Claude Gubler no qual este relata a luta do chefe do Estado contra o câncer, ao que tudo indica optou por dar continuidade às práticas do ex-presidente, que nunca atacava a imprensa na justiça.

Assim como Michel Charasse, que "está menos zangado com aquele que fez a foto do que com aquele que a publicou", a família passou a considerar o retrato mortuário como "decente". "Todo mundo na família achou a foto excelente", diz hoje Jean-Christophe Mitterrand. "De maneira estranha, mamãe não se sentiu atingida; ela achava até mesmo a foto bonita, digna de uma tradição iniciada no século 19, que inscreveu papai na mesma linhagem de Victor Hugo", escreveu ainda Mazarine Pingeot. No Museu d'Orsay, onde a sua mãe é conservadora, foi organizada, quatro anos atrás, uma exposição surpreendente dedicada ao gênero particular do "Último retrato".

No catálogo, um texto lembra que François Mitterrand viera se recolher diante da foto - anônima - de Léon Blum (ex-presidente) em seu leito de morte. Ele havia então comentado, admirativo: "A conquista de um rosto como este é o significado do socialismo".

Tradução: Jean-Yves de Neufville
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